21 de mar. de 2009

Homossexual

E das coisas que eu não entendo talvez a maior seja a desconfiança. Não venham me dizer que é proteção. Não! quem ama de verdade deixa as coisas livres. Quem ama preserva e não prende.

Mas por trás da desconfiança existe inveja e rancor. Inveja por que a grama do vizinho sempre parece mais verde. E as pessoas privam e humilham as outras porque o ser miserável precisa humilhar o seu igual para se sentir superior. Só que humilhação tem limites.

Essa historia de ‘viva a diversidade’ tem um discurso lindo. Mas é apenas discurso. Quando as pessoas se deparam com um homossexual na família, por exemplo, fazem de tudo pra esconder, oprimir. Como se fosse um vírus, uma doença que pudesse ser exterminada na prisão domiciliar. Não se pode falar, não se pode discutir. Ponto de vista já não existe. Nem amor.

Porque parece que o amor cessa com a descoberta. Parece que o amor de pai e mãe se encolhe mediante a vergonha. Vergonha da felicidade alheia.

Já que pra ser homossexual no Brasil é preciso se mudar pros Estado Unidos. Não é o primeiro caso conhecido e nem será o ultimo. Ao menos lá, longe do preconceito da própria família, o preconceito da sociedade não parece afetar tanto. Já não ofende tanto quando as palavras não vem da boca das irmãs, dos irmãos, dos pais, dos tios... Parece não ter mais tanto sentido e em certas situações torna-se até humorado. Mas quando a ofensa vem dos seus, é impossível permanecer imóvel.

É como ouvir da boca de sua mãe; Você é uma vadia.

É impossível de esquecer ou perdoar. A mágoa se torna eterna e o vírus, seja qual for, anseia mais ainda a liberdade. O opção feita reverbera pelas veias na tentativa de rompe-las definitivamente.

Morrer seria uma alternativa.

Morrer pela causa.

Morrer pela liberdade.

Morrer pra poder, enfim, voar.

Fugir

E quando penso em fugir, já não tenho mais coragem. Algo me prende aqui. Algo que foge às teorias, foge a qualquer explicação. A diferença entre mim e as outras pessoas é que não sou capaz de sentir verdadeiramente saudade das coisas. Porque saudade se sente quando as coisas terminaram, quando as pessoas vão definitivamente embora, e as coisas e as pessoas continuam em mim, pulsam nas minhas veias aumentando a pressão, ansiando por explodir comigo e consigo.

As memórias na minha agenda ainda me consomem, tal como o cheiro de cigarro e maconha que ficou no ar, tal como a cama desarrumada e vazia, os travesseiros organizados cuidadosamente, a xícara imóvel sobre a mesa e o isqueiro em minhas mãos. A eterna lembrança das palavras que soaram quase como um ‘eu te amo’, mas que na verdade foram ‘eu poderia ter te deixado um beck pronto, caso você queira fumar depois’. E por mais que digam que é errado, que é loucura ou que é coisa de puta, prossigo até que meu coração decida parar de bater.

Porque ir pro inferno, por ir pro inferno, assinei minha sentença com floreios há anos. Dormi com ele e com ele e com ele... Bebi demais, fumei demais. Afinal, humana é o que eu sou. Anjo, deixei de ser há tempos, apenas a máscara permaneceu. A fantasia imaculada de anjo calmo, protetor e preocupado com os outros.

Mas a medida que a ausência, nunca saudade, foi aumentando progressivamente, meu mundo foi desmoronando. Em meio a sons, cores (como a luz da sala, que subitamente ficou verde), emoções, lágrimas, gemidos de prazer e dor, puxões de cabelo, palavras soltas me perseguiam. Fantasmas em pânico. Urgentes de atenção, as palavras eram nada mais que fragmentos de frases nunca ditas, de sentimentos nunca sentidos, ilusões nunca vividas em plenitude.

Tal ausência me provoca desejos, arranca sensações. Desejos de álcool, sexo, drogas, rock n’roll, café, chocolate, livros. A ausência me ensinou a compreender meu passado, porque não existe história sem essa concepção. Me ensinou a não querer mudar o que já aconteceu, me ensinou a aceitar apenas. Esses ensinamentos foram essenciais para que eu chegasse até aqui.

Agora que cheguei, não tenho coragem de fugir.