29 de jan. de 2009

Ah, como eu invejo a rosa morta. Jogada no chão, sem pétala alguma. Pisada. Sem sonhos, sem futuro. Sem perspectiva e acima de tudo, sem a agonizante espera pela morte. Inutilizada de suas ultimas e ainda mais inúteis esferas de vida existentes.

Ah, como eu invejo a musica que termina. A sucessão de gritos e grunhidos, vozes e guinchos que silenciam. Sobra apenas o vazio. As cordas que param de vibrar, baquetas que param de se agitar. Frágeis estruturas que cumprem, nem sempre bem, sua função e se calam sem medo.

Ah, como eu invejo a gota d’água que corre, poluída, pelos rios. Ela, ao menos, é livre para seguir a correnteza ou evaporar, virar nuvem e ser apontada por crianças antes de cair novamente. Se é pra seguir um ciclo, ao menos o da água é o mais comum.

Ah, como eu invejo a lagrima que rola dos olhos. Aquela que brota em meio ao mais profundo desespero. Que trás em si e consigo toda a dor de um momento, de uma vida, já que não deixam de ser a mesma coisa. Aquela que rola por culpa, por medo, solidão, qualquer que seja o motivo, mas que desce pela face e pinga no papel em que se escreve apenas porque não suporta mais a prisão dos olhos. Não suporta mais observar o mundo sem vê-lo e ser parte dele.

Ah, como eu invejo o sangue que escorre dos meus cortes. Seria inútil descreve-los uma vez que nunca alcançarei a perfeição que os envolve. Riscos vermelhos que cortam a pele pálida e mancham a toalha com a qual me enxugo ao sair do banho.

Ah, como eu invejo aquele que se submete sem questionar e vive na ignorante ilusão de que está cumprindo seu papel de cidadão.

Ah, como eu invejo quem tem a coragem de não ir a luta. De não impedir que a única pessoa que o fez sentir amado, algum dia, vá embora. De não escrever mais de dez paginas em meio a horas de solidão implorando um perdão desnecessário e tentando reaver um romance que nunca existiu, nem mesmo no imaginário.

Ah, como eu invejo quem supera as palavras. Quem as usa e descarta por já ter passado da fase de usa-las.

Ah, como eu invejo quem se renova.

Ah, como eu invejo quem é jovem.

Ah, como eu invejo quem aceita.

Ah, como eu invejo quem se ama.

Ah, como eu invejo quem tem amor próprio.

Ah, como, mas como eu invejo quem consegue encostar a cabeça no travesseiro e dormir.

24 de jan. de 2009

Vento na janela

A janela está aberta ansiosa para ver voce passar.

Ela te espera.

Eu te espero.

Espero deitada sobre as cobertas.

 

Nua.

 

A pele branca. Os cabelos negros. O edredom vermelho.

Os olhos fechados, imersos na frágil ilusão.

Oh, sim, eu espero.

Espero pelo vento frio que entrará pela janela com voce cavalgando-o.

Voce pode domar o vento cortante que me faz tremer.

 

Então voce entra em meu quarto enquanto o incenso queima.

Enquanto as velas queimam.

Voce passa pela janela, pousa suavemente no chão.

Desvia dos ursinhos de pelúcia.

Observa.

Voce observa meu peito subir e descer lentamente.

Observa meu semblante adormecido.

Observa minhas curvas.

...

 

Devora-me subitamente.

Voce me toma em seus braços.

Tapa minha boca com uma das mãos para sufocar o grito e parte da respiração.

Me segura com seus braços fortes.

Vira.

Joga.

Torna a virar.

Usa.

Abusa.

Possui.

 

Voce morde meu pescoço e meus seios.

Penetra-me com força e rapidez.

Manda que eu finja voltar a dormir.

É impossível.

E voce goza no meu rosto enquanto eu tento permanecer imóvel.

 

A janela, satisfeita, fecha-se num sussurro.

Voce adormece ao meu lado.

É hora do meu prazer.

21 de jan. de 2009

Sussurros

A voz sussurrada em seu ouvido. Sabia que era a voz dela. Uma voz mandada por ela. Desenvolveram a técnica juntos, ele falava e ela sabia, se alguma forma, ela sempre sabia o que ele estava pensando ou sentindo. Então o feitiço se voltou contra o feiticeiro.

Ela lhe dizia que estava com frio, com dor na virilha no lado direito (ele fechou os olhos), com muito, muito frio e apenas a virilha estava quente. A dor vinha em ondas de calor. Espasmos.

E ele não queria mais ouvir. Não queria mais saber de nada daquilo que o machucava mais que os próprios ferimentos. O que ela fez consigo mesma? mutilara-se pra que? Pra quem? Enquanto ela via o sangue correr, com febre e fome e sono e frio e ele ouvia a voz que chegava aos seus ouvidos nos mesmos sussurros que ela dava quando o sexo esquentava, ele se dava conta da verdade que não queria conhecer.

E ela devia morrer.

E tinha que ser pelas mãos dele.

Mas ela estava errada! Ele não lhe daria as costas. Ele a pegaria no colo enquanto o sangue jorrasse e enquanto ela ainda estivesse quente e enquanto ela ainda estivesse fria. Ela nunca sairia dele e por isso nunca poderia morrer. Ao menos, não durante o período que ele sobrevivesse.

Então ela devia morrer.

E tinha que ser pelas mãos dele.

E ele tinha que morrer.

E tinha que ser pelas mãos dela.

Quem sabe ela tivesse certa. Talvez ele tivesse o sangue frio de cortar aqueles pulsos brancos tão pálidos e continuar seu caminho sozinho. Sempre estivera sozinho e ela viera atrapalhar sua solidão. Viera tira-lo de sua tristeza. Estava certa, portanto!

Ela devia morrer.

E tinha que ser pelas mãos dele.

20 de jan. de 2009

Os gritos do silêncio

A lembrança de tudo aquilo a machucava por dentro. Fazia-a desejar morrer lentamente. Estava, definitivamente, morrendo lentamente. Agozinava. Definhava sob a claridade cinzenta do dia.

E aquela dor. Aquela dor tao grande que gritava com ela todas as noites. Cada dia era pior, mais forte. O grito agonizava com ela, retorcia-se, horrizando a si e a ela. Aquelas imagens, aqueles gritos, aquela voz, o silencio.

O pior de tudo ainda era o silencio. aquela ausencia de voz que a obrigava a preencher o vazio com as futilidades debatidas na televisão ou com algum grito musicado, tao horrendo quanto a sua dor. Aquelas vozes mecanicas!

Não suportava mais o proprio timbre. Era impossivel encarar o reflexo que via no espelho. Quem estava ali? Uma vadia qualquer? Uma puta?

Entao não tivesse feito apaixonar!

Ela sofrera tanto por ele... por quem queria apenas sexo gratis, diversão. Sofrera por quem não merecia, logo, não era digna que sofressem por ela.

Ninguem choraria quando ela parasse de respirar.

Ninguem clamaria seu nome quando estivesse ardendo em chamas, delirando de febre.

Ninguem sentiria falta de vê-la caminhar com suas roupas goticas em meio a multidão.

Quem sentiria sua falta?

Putas existem em qualquer esquina. Ela era apenas mais uma vadia gostosa. Apenas mais uma mulher de micro-saia andando pela rua.

Afinal, ninguem pode se apaixonar por uma mulher presa aquelas curtas horas felizes.

Ninguem é capaz de amar uma mulher que sorri apenas na hora do sexo.

Ninguem, absolutamente ninguem poderia amar uma mulher morta por dentro.

14 de jan. de 2009

Mãos

E ele olhou pra ela.

Olhou e sorriu.

Sorriu como há tempos ela não via.

Ele olhou, sorriu e acenou.

O mesmo aceno de sempre. Tímido, secreto, que escondia uma história e um desejo mutuo. Ao menos da parte dela.

Ele olhou, sorriu, acenou e passou.

Sem tempo para vergonhas, sem tempo parar enganos.

Ela somente reparou a camiseta preta. Como ele ficava lindo vestindo aquele negro de um negrume tão negro que enegrecia a alma de quem olhasse por muito tempo. Aquela cor impenetrável, o luto voluntário, luto pela própria alma que jazia em punição no mármore do inferno.

Ambos iriam abraçar o diabo. Quando chegassem, cada um ao seu tempo, ele diria; Porque demoraram tanto?

Embora a morte tentasse, não conseguia alcança-los.

Ela estava ainda imersa naquele olhar. Aquele instante resumia a existência.

Eram esses segundos, em que ele olhava pra ela, sorria, acenava e partia, que faziam tudo valer a pena.

Haviam ainda alguns minutos ou segundos que a separavam do desespero.

Nesse momento, ele desejava a outra. A puritana gostosinha que usava lingerie branca e corria de corpetes e pulseiras de tachinhas. A dos cabelos lisos. A loira, quem sabe. A dos seios grandes.

Ao menos, com ela, era possível quase quebrar pela cintura fina.

Desejou então que ele o fizesse.

‘ Venha, meu amor, quebre minha cintura. Parta-me ao meio. Quebre minha coluna e minhas costelas. Corte minha pele e assista o sangue correr, manchando suas roupas. Corte minha garganta. Beba meu sangue. Coma minha carne enquanto estou viva. Arranque às dentadas. Lambuze-se com a minha menstruação. Sinta meus nervos se rasgarem em seus dedos enquanto voce os puxa pra fora, rouba-os de mim. Corte minha língua. Morda meus lábios. Faça sangrar minhas coxas até encontrar o osso. Roa meus ossos, não deixe sobrar nada, nem pó.’

Sob aquela perspectiva, acalmou-se.

Não tinha duvidas, morreria pelas mãos dele.

Pelas mãos.

Nunca nos braços.

Ele não ousaria acolhe-la.

Dar carinho era garantir um motivo, outro motivo para ela ficar.

Queria-a longe de si.

Olhares

Queria sangrar ao lado dele. Queria ver-se esvair naquele liquido viscoso que sempre a fascinara tanto olhando para os olhos dele. Aqueles olhos! Os mais profundos que já viu. Impenetráveis. E de batalhas de olhares ela entendia, embora preferisse fugir delas na maioria das vezes.

Mas aqueles olhos a prendiam naquele dezembro. Fazia quase um ano. Esquecera o timbre daquela voz. Esquecera do perfume que a deixava tonta de prazer. Esquecera da língua em seu sexo. Esquecera os cabelos longos dele colados em sua pele suada. Esquecera a dor suave e deliciosa do sexo dele invadindo o seu.

Fora apenas isso...

Continuava sendo apenas isso.

Mas ainda haviam aqueles olhos. Ela jurava que eles eram verdadeiros. Vira quando o olhar dele encontrara o seu durante o sexo e perdeu o fôlego. Deixou-se cair no abismo, estava entregue. Deixou de crer em santos, romanceiros e poetas. Toda a poesia, todo o sentimento do mundo se encontrava nas profundeza daqueles globos de íris castanho clara.

Ainda haviam aqueles olhos. A pele macia, a barba que roçava seu pescoço, os cabelos que se misturavam aos seus...

E agora ele fechava os olhos. Talvez o prazer fosse maior, a entrega menor. Vira-se nele tal como era. A pessoa fraca que não suporta olhar nos olhos por medo de se entregar em demasia.

Os olhos se fecharam para ela.

Os lábios se fecharam, não permitiam mais a entrada da sua língua e mesmo assim, queria morrer ao lado dele. Sonhava com o dia em que ele a convidaria para entrar em seu carro. Usaria aquele espartilho que ele adorava, a cinta-liga com a qual ele delirava e as botas de cano longo e salto agulha. Deixaria os cabelos lisos, longos e soltos. A maquiagem pesada para deixa-la com uma aparência ainda mais morta. Apenas os olhos seriam vivos. Vivos da vontade de encontrar aquele olhar. Vivos até que parassem de interpretar coisa alguma.

Uma vez dentro do carro, seguiriam para o motel mais próximo, afinal, o que era ela? E na curva que o antecede, numa velocidade incrível, ele faria o carro capotar varias vezes antes de bater numa arvore. Morreriam juntos, abraçados num mar de chamas. Nenhum dos dois iria pro céu e sempre souberam disso.

Aqueles olhos estavam abertos, os lábios mostravam um sorriso duro. Chupe mais, meu amor. Deitados lado a lado, não se tocavam. Ela saboreava a doce vontade de um cigarro. Ele, a entorpecência graciosa do sono olhando para o teto do quarto.

Não suportava abraça-lo e não ser abraçada por ele. Aquele homem era um estranho. Não era a pessoa que a prendera no verão, naquelas tardes quentes, ensolaradas. Aquelas tardes em que se permitiam sentir com a alma e não apenas com a pele. Ele mudara e não permitira que ela fizesse o mesmo. Segurava-a naqueles dias para não ter que recorrer a outra pessoa. Sabia que ela voltaria. Sempre voltava.

Ele morreria com ela? Acreditava que sim. talvez a tentação da morte ficasse mais clara ao vê-la abrir os próprios pulsos com o olhar sedento de atenção. Não tentaria voltar atrás caso os olhos dele se abrissem para ela novamente, ao contrario, sorriria agradecida por um ultimo momento de prazer.

Sabia que se fosse por primeiro, ele a encontraria no inferno sem muita demora. Já tinha perdido um ano, mais um ou dois não iria mata-la. já estaria morta, afinal. Iriam passear de mãos dadas pela estrada, iriam se beijar sob um chão de giz e quando atravessassem os portões do inferno as almas em punição os conduziriam à cama redonda que os estaria esperando. Amariam-se então.

Manteriam os olhos abertos, mas não teriam mais coração para sentir.

Ao menos, enfim morta, poderia vê-lo amar alguém sem que sua presença o atormentasse.

Morrer era sair da vida dele, deixa-lo livre para ser feliz.