Ah, como eu invejo a rosa morta. Jogada no chão, sem pétala alguma. Pisada. Sem sonhos, sem futuro. Sem perspectiva e acima de tudo, sem a agonizante espera pela morte. Inutilizada de suas ultimas e ainda mais inúteis esferas de vida existentes.
Ah, como eu invejo a musica que termina. A sucessão de gritos e grunhidos, vozes e guinchos que silenciam. Sobra apenas o vazio. As cordas que param de vibrar, baquetas que param de se agitar. Frágeis estruturas que cumprem, nem sempre bem, sua função e se calam sem medo.
Ah, como eu invejo a gota d’água que corre, poluída, pelos rios. Ela, ao menos, é livre para seguir a correnteza ou evaporar, virar nuvem e ser apontada por crianças antes de cair novamente. Se é pra seguir um ciclo, ao menos o da água é o mais comum.
Ah, como eu invejo a lagrima que rola dos olhos. Aquela que brota em meio ao mais profundo desespero. Que trás em si e consigo toda a dor de um momento, de uma vida, já que não deixam de ser a mesma coisa. Aquela que rola por culpa, por medo, solidão, qualquer que seja o motivo, mas que desce pela face e pinga no papel em que se escreve apenas porque não suporta mais a prisão dos olhos. Não suporta mais observar o mundo sem vê-lo e ser parte dele.
Ah, como eu invejo o sangue que escorre dos meus cortes. Seria inútil descreve-los uma vez que nunca alcançarei a perfeição que os envolve. Riscos vermelhos que cortam a pele pálida e mancham a toalha com a qual me enxugo ao sair do banho.
Ah, como eu invejo aquele que se submete sem questionar e vive na ignorante ilusão de que está cumprindo seu papel de cidadão.
Ah, como eu invejo quem tem a coragem de não ir a luta. De não impedir que a única pessoa que o fez sentir amado, algum dia, vá embora. De não escrever mais de dez paginas em meio a horas de solidão implorando um perdão desnecessário e tentando reaver um romance que nunca existiu, nem mesmo no imaginário.
Ah, como eu invejo quem supera as palavras. Quem as usa e descarta por já ter passado da fase de usa-las.
Ah, como eu invejo quem se renova.
Ah, como eu invejo quem é jovem.
Ah, como eu invejo quem aceita.
Ah, como eu invejo quem se ama.
Ah, como eu invejo quem tem amor próprio.
Ah, como, mas como eu invejo quem consegue encostar a cabeça no travesseiro e dormir.