O que restou de fato? A cama vazia ao meu lado. Insônia.
O que me fere? A dor que não provoquei.
O espelho mostra a puta que se esconde inutilmente em pijama de menina e um rosto ausente de maquiagem. Mas o espelho não mente, apenas reflete a realidade, o mundo morto ao seu redor. O reflexo é de uma mente que luta para apagar o passado apegando-se a ele numa onda de saudosismo que, ao mesmo tempo, tenta negar. Uma cabeça conturbada. Um corpo frágil, magro, quase sem curvas. Ombros com ossos pronunciados, saboneteiras fundas, seios pequenos apontando a própria imagem, perplexos. A cintura fina, o umbigo, os ossos da virilha. O sexo nu, rosado, apertado em seus temores. Também tenho meus caprichos.
Um deles é nega-los. Ver sair dos lábios, sejam vermelhos como cereja ou negros como a morte, as frases feitas que correm pelo mundo em seus sotaques. ‘O meu prazer é o seu prazer’. ‘ Não se preocupe, eu faço de tudo’. ‘Isso me excita’, embora eu saiba que é mentira. Mas de alguma forma ainda ouço os ecos da infância interrompida.
Aqueles rostos que preenchem meus sonhos são os donos dos membros que puderam me levar mais perto da entrada do meu jardim particular. De que adianta? Não tenho a chave. Acho que a perdi. Possivelmente escorregou pela alça da calcinha, levantada, na ultima cama em que me deitei. De quem era, não me lembro. Foi bom, me perguntam. Silencio.
Não que não tenha sido. Gostei do modo como aquela língua invadiu meu sexo, de como aqueles braços me viraram na cama e no chão, ou de como aquelas mãos seguraram meu cabelo ou me puxaram pra junto de si. Rebole mais, sinta tudo dentro de você.
(Contive o desejo de bocejar.)
É como se faltasse alguma coisa. Falta perversão, com certeza. O bizarro, a dor, as posições diferenciadas, tudo isso me atrai. Falta também, um olhar. Aqueles olhares de tirar o fôlego. Os olhos que não apenas te olham, mas também despem, consomem, beijam, fodem, gozam e amam. Porque sexo por sexo, não minto, faço. Mas depois de fazer amor, uma primeira vez, é que se percebe o quanto se tem valor.
Um valor maior do que qualquer homem é capaz de pagar. E eu não sabia disso. Não tinha o real conhecimento de que valia alguma coisa maior que notas de papel e moedas barulhentas ao cair no chão ao meu lado. Não sabia que é permitido levantar para receber o pagamento. Beijar depois do exaustivo sexo. Adormecer nos braços do homem que me deixou completamente suada, molhada, gozada... o sono mais doce, o despertar mais suave.
O som da respiração ofegante, o sobe e desce do peito arfante, os pelos que roçam o rosto, o gozo que brilha sobre a pele, os cabelos despenteados, gemidos, marcas de mordias pelo corpo, saliva, suor, sexo sensível, som externo, crianças brincando, lençol úmido, chupões, sol perfurando a cortina, abraço apaixonado, cansaço, rugas de expressão, luar entrando pela janela, dor suave, suspiro, adormecer...
Tudo isso não existe mais.
Sobrou a cama vazia, a puta encarcerada pagando por seus crimes.