5 de fev. de 2011

Insonia

As palavras estavam mudas. Nenhuma poderia efetivamente dizer qualquer coisa que fizesse sentido. Nem mesmo Clarice. Eram nesses dias que ela não conseguia dormir.

Via a noite passar lentamente sem conseguir fechar os olhos. Fazer isso seria se entregar e ela já estava entregue a outras coisas. Presa no sono vigilante que dorme sem dormir, em que qualquer movimento feito pelo bebe que descansa ao seu lado é capaz de desperta-la. não valia a pena dormir ainda. Poderia dormir aproveitando as sonecas do bebe ao longo do dia. Os dias eram muito mais claros. Claros até demais.

Durante o dia, estava exposta. Os raios solares daquele verão infernal a consumiam por fora, enquanto os outros a consumiam por dentro. Uma palavra, uma atitude pequena se tornaram capazes de fazer um corte profundo em sua alma. Machucada, a imagem refletida no espelho era de uma figura medonha, que só ela parecia poder enxergar.

Seus cabelos, antes longos e vivos, agora estavam curtos e negros como a morte. Suas unhas já não chamavam atenção. Era uma velha presa num corpo estranho. Uma velha sem dentes cujas rugas de uma vida amarga lhe cobriam a face. Seus olhos mostravam tristeza e cansaço. As roupas, velhas e surradas, não ressaltavam nenhuma curva daquele corpo magro que só sabia perder mais e mais peso. Suja de poeira da estrada, das lagrimas que já não caiam, do sangue que perdia a cada frágil decepção. Estava magra, um estranho saco de ossos.

Apenas o bebe parecia capaz de lhe dar alegria. A razão da sua vida, uma pequena luz capaz de retirar a mãe do abismo com um sorriso. Aquele sorriso limpo, de quem não tem culpa ou ciência, apenas sorri porque é feliz. O anjinho podia ajudar e ajudava a todo momento. Parecia saber exatamente o que fazer para deixar os outros felizes, especialmente a mãe, tão triste.

A mãe que tropeçava nas esquinas sem ressaca. A mãe que achava graça em resvalar grotescamente pelas bordas das etiquetas colocando os cotovelos na mesa enquanto chupa a cereja do Dry Martini. A mesma mãe adepta ao glamour decadente, com seu esmalte descascando, salto quebrado, sentada no meio fio para tomar uma cerveja. Socialite do baixo clero, como se definia ironicamente. Uma mãe que se sentia como o próprio Álvaro de Campos, supondo que ele exista, em seu genial Poema em Linha Reta. Aquela mãe, que conseguia sorrir ao olhar para a filha, era a mesma que desejava apenas que o dia terminasse logo para poder ninar a própria insônia.

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